Artigo escrito por Pedro Cespi.
Quando falamos em gênero e sexualidade, fazer um debate político atrapalha a análise de evidências sobre essas questões. Independente da preferência política, qualquer afirmação exagerada a respeito do assunto geralmente encontra pouco respaldo científico. Se não houvesse tanta desinformação sobre as pessoas transgênero, mais gente conheceria a evidência disponível sobre as seguintes perguntas:
- Pessoas transgênero contrariam a biologia?
- Quando um professor diz que é normal ter identidade de gênero diferente do sexo, ele ensina com respaldo científico ou é puramente ideológico?
- As crianças, por serem mais sugestionáveis, estão vulneráveis a mudar sua identidade de gênero por conta desse discurso?
Para fins de síntese, vou usar as palavras “transexual” e “transgênero” como intercambiáveis, embora seja controverso. Agora, vamos às evidências.
O que a ciência nos diz sobre os transgêneros?
Para os opositores da chamada “Ideologia de Gênero”, uma identidade de gênero diferente do sexo não tem respaldo biológico. Na natureza, haveria apenas o homem e a mulher; qualquer alternativa seria anticientífica. Esse argumento, também propagado por segmentos radicais do feminismo, que erra ao não diferenciar claramente sexo e gênero.
Enquanto um se refere à condição sexual, na qual a distinção entre macho e fêmea é válida, o segundo se refere à condição social. Em outras palavras, ser do sexo masculino é ter cromossomos XY; por outro lado, ser do gênero masculino é se identificar com este gênero.
Embora o sexo e o gênero tenham uma forte correlação, nem sempre eles são coincidentes.
Um estudo realizado por Milton Diamond, professor emérito de biologia reprodutiva da Universidade do Havaí, em Manoa, comparou gêmeos idênticos e não idênticos para entender o problema. Quando um gêmeo idêntico era transsexual, em 30% dos casos o outro também era; já entre os não-idênticos, que possuem genomas diferentes, não havia correlação aparente.
Isso significa que a presença do mesmo genoma aumentava significativamente a coincidência da transexualidade. Diante de evidências como essa, é muito difícil negar um componente genético da identidade de gênero.
Corpo e cérebro das pessoas transgênero explicam sua não-identificação com o sexo de nascimento.
No maior estudo genético já realizado sobre transexualidade, pesquisadores do Prince Henry’s Institute of Medical Research reforçaram a hipótese de influência genética para a transexualidade. Ainda mais notável, no resultado do estudo, foi a presença de receptores hormonais diferentes no cérebro de transexuais. O corpo de transgêneros e cisgêneros processam a testosterona, por exemplo, de modo distinto.
Em outra publicação, pesquisadores holandeses fizeram exames de ressonância magnética para analisar a reação de adolescentes transgêneros a um esteróide conhecido por gerar reações diversas em cérebros de homens e mulheres. Os cérebros dos adolescentes respondiam de forma mais semelhante com o do gênero com que se identificavam do que com o do sexo biológico com o qual nasceram.
O que essas evidências mostram é que os transexuais, de fato, têm cérebros em desacordo com seus corpos de nascimento. Outros estudos semelhantes confirmam esses achados.
Há mais do que apenas genética na transsexualidade.
É preciso fazer algumas ressalvas aqui. Quando falamos em cérebros masculinos e femininos, estamos falando das médias de como funcionam os cérebros de pessoas que se identificam com os gêneros com os quais nasceram. Na prática, o cérebro é complexo demais e comporta mais variações que simplesmente homem ou mulher.
Ainda que a genética não explique todos os casos, não se pode descartar sua importância largamente comprovada. Outras características humanas, como por exemplo a propensão a doenças, também tem componentes genéticos. Isso não significa que a detenção de um gene seja determinante para sua manifestação. Na realidade, a construção social e a biologia estão mais para complementares do que para concorrentes.
Em suma, o gênero é uma construção social, mas a biologia é fundamental tanto para sua construção, quanto para sua identidade. A evidência disponível mostra que não há nada anti-biológico em ter identidade de gênero distinta do sexo de nascimento.
Crianças podem virar trans por influência da “Ideologia de Gênero”?
Como já visto acima, a biologia importa para determinar identidade de gênero e a sexualidade. Assumindo esta hipótese, um aluno transgênero, biologicamente determinado, o será em qualquer escola. Quem defende o ensino inclusivo diz que apenas se encorajaria a tolerância.
Mas quão influenciáveis são as crianças?
Em uma das publicações mais recentes, pesquisadores alemães revisaram a literatura sobre o assunto. Apesar da limitação metodológica que os próprios autores reconhecem, eles concluem que não há relação entre a postura das escolas sobre o assunto e a identidade de gênero dos seus alunos.
O principal resultado encontrado em escolas que tratam do assunto foi um ambiente menos violento para os LGBTQIA+. Os autores levantam uma série de experimentos que evidenciam a forte propensão de transgêneros a sofrerem bullying em escolas — o que realça a relevância de um ensino mais inclusivo.
No Brasil, o debate sobre o assunto, de fato, tem muita ideologia e pouca ciência e o discurso conservador é parte do problema, afinal, ideologia de gênero não existe!
Tanto conservadores quanto progressistas costumam negligenciar este debate, reduzindo-o a chavões e frases de efeito. Embora as pesquisas ainda sejam limitadas, também por conta do preconceito, a evidência disponível já é suficiente para negar o discurso conservador. Não é verdade que o “natural” (ou seja, o determinado pela genética) se limita a homens e mulheres que se identificam como tal.
Negar a transexualidade é anticientífico. Afirmar que professores podem influenciar a identidade de gênero e a sexualidade das crianças exige evidências ainda não disponíveis. Negar influências genéticas sobre o comportamento dos gêneros ou sobre a sexualidade é igualmente anticientífico.
As últimas descobertas da medicina, psicologia e pedagogia sugerem que uma educação inclusiva tem inúmeros benefícios. O último artigo citado termina com um otimismo ingênuo. Os autores esperam que seus resultados levem pais, professores e políticos a decisões mais racionais sobre identidade de gênero nas escolas.
No Brasil, infelizmente, a racionalidade sobre o tema é quase inexistente!
Está com dificuldade para lidar com seus preconceitos? Faça psicoterapia!
Publicação original: Instituto Mercado Popular.